O lado bom de sentir nojo

26 de junho de 2013

Em Mente e Cérebro – maio/2013

Essa sensação nos ajuda a manter distância de alimentos, situações e até de pessoas que podem nos fazer mal

Nojo e desgosto são emoções daquelas que a gente escolhe passar longe, se puder. Mas não é por serem negativas que não têm sua função. Muito pelo contrário: é fundamental ser capaz de “carimbar” um alimento como desagradável (estragado, por exemplo) – e não só para poder colocá-lo para fora imediatamente e evitá-lo no futuro. É a mesma capacidade de classificar alimentos como desgostosos que empregamos para tachar pessoas, situações, e mesmo ações de nojentas e socialmente revoltantes.

A cara de nojo é inconfundível: o nariz enrugado para cima, a boca aberta, a língua exposta, expulsando o que tiver causado aversão… ao cérebro. A sensação de nojo expressa no rosto vem da ínsula, parte do córtex cerebral que monitora os estados internos do corpo. Estes são tanto os que associamos a emoções e acontecimentos externos – um aperto no peito de apreensão, os músculos crispados de tensão – quanto aqueles que informam pura e simplesmente sobre as vísceras. Dor de barriga, enjoo, dor de cabeça e todos os mal-estares que resultam de alterações indesejáveis no corpo são trazidos à atenção do restante do cérebro pela ínsula, que recebe das vísceras informações em primeira mão sobre o estado destas e permite que se tomem as providências adequadas.

A ínsula é uma das primeiras estruturas responsáveis por sinalizar quando o que está na boca não presta e tratar de disparar as respostas necessárias, como a careta com a língua para fora, que até recém-nascidos fazem. E se o aviso falha – por exemplo, porque comer um quilo de chocolate inicialmente pareceu ao cérebro uma boa ideia –, o corpo todo paga as consequências.

Meu avô era médico e, dentre sabedorias variadas e a capacidade de nos adivinhar doentes a um mero olhar, tinha um truque infalível para descobrir o que tinha nos feito mal: perguntava o que nós menos gostaríamos de comer naquele momento, aquilo cuja simples ideia já nos deixava enjoados (“ovo de Páscoa de chocolate crocante com morango”, lembro que respondi uma vez, com engulhos). Ele estava aplicando na prática o que não sabia ser neurociência pura: a memória dos nossos estados fisiológicos, monitorados e registrados em permanência pela ínsula.

Isso porque, além de sinalizar quando algo não vai bem no corpo, a ínsula é capaz de associar à sensação física um registro da sua causa. Se o chocolate fica mal digerido no estômago, seus odores podem ser detectados no ar exalado, dentro do nariz e da boca, e levados ao conhecimento da ínsula, que os associa ao mal-estar. Feita a associação, basta o cheiro de mais chocolate, ou a simples ideia dele, para evocar na ínsula… mais desconforto.

Para que tanto mal-estar? Para nos manter a distância do que fez mal, tanto durante o enjoo quanto depois dele. Ratos de laboratório privados da ínsula perdem a capacidade de evitar água com drogas enjoativas e bebem à vontade, intoxicando-se. Com uma ínsula normal, ao contrário, o primeiro enjoo costuma bastar. Ainda bem: em um mundo sem rótulos, é fundamental que quem sobreviver a uma refeição tóxica ou estragada recuse provar dela uma segunda vez.

Até o desgosto figurativo hoje se sabe que é, na verdade, literal. A repulsa que sentimos de situações degradantes, injustiças e pessoas que nos despertam asco também é obra da ínsula, que, portanto, representa tanto o desgosto alimentar quanto o moral e social. Que bom que é assim: sentir nojo nos faz repudiar igualmente alimentos, situações e pessoas intragáveis.