O Desafio da Paternidade e Maternidade nos Dias de Hoje – Parte I

25 de fevereiro de 2013

Palestra proferida pela Dra Ana Paula I. Cury na Escola Waldorf Rudolf Steiner em 29.03.2012 em A Boa Terra

A proposta da Escola de Pais e auto-educação de adultos

“Como podemos nos preparar para a tarefa de educar os filhos?”

Toda educação é autoeducação, e nós na qualidade de professores e educadores, em realidade formamos apenas o ambiente em que a criança se educa a si mesma. Devemos propiciar-lhe o ambiente mais favorável possível, para que junto à nós ela se eduque da maneira como deve ser educada por seu destino interior.” Rudolf Steiner

O Paradoxo do Nosso Tempo

“Hoje temos construções maiores, porém famílias menores. Mais conforto, mas menos tempo. Temos um grau de conhecimento maior, mas menos entendimento humano sadio e menos capacidade de julgamento. Temos mais especialistas e mais medicina, porém menos saúde de fato. Rimos muito pouco despreocupadamente, ficamos com raiva depressa demais, dormimos menos do que deveríamos, lemos pouquíssimo, ficamos demais à frente de telas como a da TV, do PC, dos tablets e do celular e somos menos escrupulosos. Multiplicamos nosso patrimônio, mas reduzimos os nossos valores. Falamos demais, amamos de menos e mentimos com frequência. Aprendemos como se ganha a vida, mas não aprendemos a vivê-la. Temos prédios mais altos, e pavios mais curtos. Estradas mais largas, mas pontos de vista mais estreitos. Fomos e voltamos da Lua, mas temos dificuldade em atravessar a rua para conversar com o vizinho ao lado. Desintegramos o átomo, mas não o nosso preconceito. Estamos sempre apressados e não sabemos esperar. Temos mais quantidade e menos qualidade. Mais mensagens, mais informação, menos comunicação. Estamos na era do ‘fast-food’ e da digestão lenta e deficiente; do homem grande de caráter pequeno; lucros acentuados e relações vazias. Essa é a era de dois empregos, vários divórcios, casas chiques e lares despedaçados. Essa é a era das viagens rápidas, fraldas e moral descartáveis, dos cérebros ocos e das pílulas “mágicas”. Um momento de muita coisa na vitrine e muito pouco na despensa. Uma era que leva essa carta a você, e uma era que te permite dividir essa reflexão ou simplesmente clicar ‘delete’…” ( atribuído ao pastor Moorehead) Esta é uma entre muitas versões deste texto que pretende caracterizar o nosso tempo. Um tempo chamado por Rudolf Steiner de época da Alma da Consciência. Um tempo em que, segundo ele, todos os povos são chamados a desenvolver certos ideais em todas as circunstâncias e situações da vida humana: compreensão social no campo do convívio humano, liberdade de pensamento na esfera religiosa e no campo do conhecimento, a cognição espiritual. Mas não é bem isto o que temos visto… Ainda há muito por fazer! Vivemos em um mundo em que o ter vale mais que o ser. Em que as incertezas prevalecem e os laços que nos unem parecem mais superficiais e inconsistentes. Hoje em dia estamos sempre correndo, frequentemente esgotados, e menos atentos uns aos outros. Tempo, Vitalidade, Interesse e Compaixão – qualidades do Ser que não temos presenciado tanto quanto seria desejável. Parece que somos levados de roldão por uma roda-viva… “A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar, mas eis que chega a roda viva e carrega o destino prá lá…” Será que não temos escolha?

O que não tem preço ( Rosiska Darci)

As escolhas que fazemos ao longo de nossas vidas dependem fundamentalmente daquilo a que atribuímos valor. Substituímos uma coisa por outra, lutamos mais por uma que por outra, em função do que cada uma vale para nós. Os valores têm uma existência intrínseca, valem pelo que são. Na economia é diferente. Não se pergunta sobre o que vale alguma coisa, mas quanto vale. A existência do valor é relativa, e conversível a uma moeda de troca, que em geral é o dinheiro. Quando o valor no sentido econômico começa a invadir o campo dos valores que vêm de dentro de cada um de nós, e cujo sentido independe de seu valor de troca, uma mudança da sociedade está em curso. Uma mudança para pior. Em um artigo admirável, Patrick Viveret propõe uma engenhosa maneira de apreciar a hierarquia de valores. “No caso dos atentados contra o World Trade Center e o Pentágono, dois fatos significativos que eu proponho chamar de fundamentos antropológicos surgiram como uma evidência trágica. O primeiro é que as pessoas que dispunham de um meio de comunicação como um telefone celular, procuraram falar com seus entes queridos para fazer declarações de amor, e não com seus banqueiros ou seus superiores, para saber o estado de sua conta ou da carreira. Esse ato, que nos parece natural, mostra que diante da proximidade da morte, os dois apelos humanos mais fortes não são nem a riqueza nem o poder, mas o sentido da vida ( ou o conhecimento ) e o amor ( ou o reconhecimento). O segundo fato notável foi a reação espontânea de muitos americanos – mas também de estrangeiros – que doaram sangue, em sinal de solidariedade. Diante do golpe, é a doação que melhor exprime a solidariedade entre os seres humanos e a capacidade de confiança no futuro. Imaginemos um só instante, que as mesmas pessoas tivessem proposto ‘vender’ seu sangue, prática, aliás, corrente nos EUA. Este gesto teria sido considerado, no mínimo, obsceno” Viveret escolheu dois exemplos pungentes para estabelecer a diferença entre o que são valores em si – o amor, a solidariedade – e os outros valores, determinados por indicadores monetários. Um dos flagelos da sociedade de mercado é contaminar com sua lógica tudo que a cerca, na ânsia de colocar em números, de medir, de calcular tudo o que existe, para só então decidir se tem ou não valor. Essa contaminação atinge a linguagem e introduz no vocabulário conceitos como capital humano, recursos humanos, subentendendo que cada ser humano é ele mesmo passível de avaliação monetária. Resta saber se seremos capazes de sair dessa sociedade de mercado, que retifica as relações sociais, construindo um sentido para a vida em si mesma, na fruição dos momentos que não serão nem vendáveis, nem compráveis. Nesta nova proposta de vida, tempo não é dinheiro. Uma época que não se cansa de apregoar o primado do indivíduo, debruça-se pouco sobre a possibilidade que esse indivíduo tem, de fato, de ser feliz, enredado nas obrigações de performance, nas expectativas de sucesso que se medem pela renda ou pela visibilidade, tendo que pagar, por isso o preço de uma espécie de “fome de tempo”, “fome de presença”. O tempo, esse bem tão raro que o homem mais rico da Terra não pode comprá-lo, além de um certo limite. Porque o tempo, a morte não vende. Sempre me fascinaram as reações dos que correram perigo de vida e renascem dispostos a mudar seus destinos radicalmente. O tempo é então sua primeira conquista. De certa maneira, estamos todos correndo perigo de vida, de perder a vida,na medida em que nos submetemos às injunções de uma sociedade que desordenou-se, invertendo o sentido original das coisas. Antes ganhávamos a vida no trabalho. Hoje é o trabalho que ganha nossas vidas.

Sobre o sentido do tempo presente

Na estrutura temporal da civilização moderna, geralmente se emprega uma só palavra para significar o “tempo”. Os gregos antigos, porém tinham duas palavras para o tempo: khronos e kairos. Enquanto o primeiro se refere ao tempo cronológico, ou seqüencial, o tempo que se mede, esse último é um momento indeterminado no tempo em que algo especial acontece, a experiência do momento oportuno, da coisa certa no momento exato, da presença de espírito. É usada também em teologia para descrever a forma qualitativa do tempo, o “tempo de Deus”, enquanto khronos é de natureza quantitativa, o “tempo dos homens”. Um dos maiores desafios de nossa época é justamente estar presente, inteiro em tudo o que se faz, e fazendo-o por amor ao invés de fazê-lo por um senso de dever ou obrigação. Muitas vezes o que nos faz ter a sensação de não ter tempo, o que nos desgasta, o que nos pesa, não é o fato de termos tanto a fazer, ou de muitas vezes não sabermos o que fazer, como agir. Mas o fato de não estarmos presentes em tudo o que pensamos, sentimos e realizamos. O fato de nos desconectarmos de nós mesmos, dos outros, da natureza e do essencial. O que poderia nos conduzir a esta conexão? E como temos empregado o tempo em nossas vidas? Que escolhas temos feito? Que prioridades elegemos?