A primeira sala de aula de todos nós: O útero

04 de novembro de 2014

Por Thomas Verny e Pamela Weintraub em Biblioteca Virtual de Antroposofia – 28/20/2014

“Agora sabemos o que sempre nos pareceu verdade intuitivamente – que a separação entre psique e corpo, ou natureza e educação, é impossível. Todo processo biológico deixa uma impressão psicológica e todo evento psicológico modifica a arquitetura do cérebro. Em resumo: as primeiras experiências determinam em grande parte a arquitetura do cérebro e a natureza e extensão das faculdades mentais dos adultos.”


Durante a última década, descobertas revolucionárias na área da Neurociência e da Psicologia abalaram teorias antigas a respeito das primeiras fases do desenvolvimento, demolindo nossas mais respeitáveis tradições de criação de filhos. As informações de laboratórios de primeira linha, como os de Yale, Princeton, Rockefeller e outros têm um alcance de tirar o fôlego. A partir do momento da concepção, o cérebro da criança é conectado a seu meio ambiente. A interação com o meio ambiente não é apenas um aspecto do desenvolvimento do cérebro, como se pensava; é um requisito absoluto que faz parte do processo desde os primeiros dias no útero.

Em geral, quando se trata das primeiras fases do desenvolvimento, os cientistas que não fazem parte do campo da Neurociência – inclusive aqueles que dão aulas em universidades e influenciam a opinião pública – defendem pontos de vista mais tradicionais. A maioria dos geneticistas, por exemplo, ainda pensa que os genes são os fatores mais decisivos na determinação da maneira pela qual o cérebro se desenvolve. E,até recentemente, a maioria dos psicólogos concordava que, antes dos três anos de idade, a experiência tem uma influência limitada sobre a inteligência, as emoções e a estrutura do cérebro.

Porém, as últimas descobertas da Neurociência provam que essas ideias são incorretas. O cérebro é sensível à experiência ao longo de toda a vida, mas é a experiência tida durante os períodos críticos da vida pré-natal e imediatamente seguinte ao parto que organiza o cérebro. Nosso cérebro e, por extensão, nossa personalidade, emerge da interação complexa entre os genes com que nascemos e as experiências que temos.

Agora sabemos o que sempre nos pareceu verdade intuitivamente – que a separação entre psique e corpo, ou natureza e educação, é impossível. Todo processo biológico deixa uma impressão psicológica e todo evento psicológico modifica a arquitetura do cérebro. Em resumo: as primeiras experiências determinam em grande parte a arquitetura do cérebro e a natureza e extensão das faculdades mentais dos adultos.

Uma relação segura com um ou dois cuidadores principais leva a um desenvolvimento mais rápido das capacidades emocionais e cognitivas. Essas interações não conferem só vantagens temporárias – conferem também vantagens permanentes, por serem a ferramenta número um utilizada pela evolução para construir o cérebro.

Essas descobertas surgem em contraposição a conceitos errados sobre o desenvolvimento infantil, conceitos que nos deixaram perdidos durante anos e anos. Não podemos mais invocar as fases abstratas de desenvolvimento sugeridas por pensadores como Freud e Piaget, que atribuíam pouquíssima percepção ou cognição à criança com menos de três anos de idade; por mais sedutoras que suas teorias tenham sido durante muitas décadas, elas simplesmente não resistem ao rigor das modernas varreduras do cérebro, nem dos estudos duplo-cego feitos com os recém-nascidos. Não podemos mais apelar para a teoria da evolução de Darwin como prova de que os seres humanos são autômatos inconscientes impulsionados pelos genes a propagar impiedosamente a espécie e a sobreviver; a natureza social da construção do cérebro significa que isso é uma impossibilidade. E não podemos mais ver os nossos filhos através das lentes da economia – perguntando-nos como a exposição à pobreza ou ao crime vai afetar a vida deles – a menos que também levemos em conta os fatores mais importantes da convivência com a mãe e o pai.

Escrevi O bebê do amanhã para construir uma ponte entre as polaridades – para fazer uma conexão entre as ideias problemáticas do passado e as verdades vislumbradas pelaciência – entre o poder da experiência e o poder dos genes. Vou descrever a interface entre a Psicologia (como a mãe ou o pai pega o bebê no colo) e a Biologia (o que acontece no corpo e no cérebro do bebê).

Há dez anos eu só poderia dar alguns palpites a respeito disso. Hoje, com base em centenas de descobertas dignas de confiança e passíveis de verificação feitas pelas principais universidades e laboratórios do mundo, as respostas são certas e estão fadadas a mudar nossa maneira de criar os filhos e educar os jovens. Ao tomar os conceitos da Psicologia e traduzi-los em fenômenos concretos, mensuráveis e observáveis, os neurocientistas revelaram a programação interna do ser humano para o desenvolvimento de muitas capacidades, como a capacidade de se relacionar socialmente, de ter empatia,de amar.

Quando e como os pais podem esculpir o cérebro em desenvolvimento para criar algo aparentemente tão fugidio quanto a bondade básica? Quando é tarde demais? Quando é que a depressão e a violência começam de fato? Será que os pais têm condições de eliminar as predisposições a esses estados antes de eles se tornarem – porto da a vida – profecias que parecem se realizar só por terem sido feitas e repetidas muitas e muitas vezes? As lições secretas da Neurociência e do desenvolvimento infantil dão respostas importantes a essas perguntas.

Um exemplo: a nova ciência do cérebro lançou um ataque esmagador contra a noção de que o aprendizado é mais ou menos constante durante os três primeiros anos de vida. O que as tomografias nos dizem é, ao contrário, que o aprendizado é na verdade explosivo, ocorrendo à medida que regiões diferentes do cérebro são ativadas – de acordo com o cronograma – para o desenvolvimento de capacidades específicas, da linguagem à música, passando pela matemática. Se você ensinar algo a seu filho quando a janela que dá para o aprendizado dessa capacidade estiver aberta, ele vai aprender rápido; se perder essa chance, essa capacidade vai ser difícil de adquirir mais tarde, se não for impossível.

Toda época definiu o cérebro em termos de suas principais tecnologias. Portanto, só há pouco tempo vimos a passagem da velha analogia do cérebro como circuito elétrico para o cérebro como computador. Embora o cérebro tenha certas coisas em comum com os computadores, ele é muito mais sutil e complexo. Em primeiro lugar, é um organismo vivo capaz de crescer, multiplicar-se e morrer. Em segundo lugar – e este é um fator realmente crucial – ele é banhado por uma sopa bioquímica de hormônios, neurotransmissores e polipeptídios que lhe permitem estabelecer uma comunicação de mão dupla com regiões extensas do corpo. São essas moléculas mensageiras que permitem às mães grávidas se comunicarem tão intimamente com seus filhos ainda por nascer e, mais tarde, são essas mesmas moléculas que determinam se temos tendência à depressão ou à alegria, à ansiedade ou à calma. Os computadores não têm consciência. Não sofrem, nem se alegram e, ao contrário dos leitores deste livro, carecem do desejo básico de tornar o mundo melhor para os jovens.